A recente reforma tributária acendeu um sinal amarelo para famílias de alto patrimônio. A possibilidade de elevação drástica dos custos sucessórios e o cerco do Estado contra instrumentos de eficiência de transmissão de ativos reforça uma das máximas do planejamento patrimonial: a necessidade de revisitar constantemente as estratégias que protegem a fortuna da família.
Nesta edição de Legado em Vida, vamos falar sobre uma solução que permite a redução de custos de transmissão mesmo que a reforma tributária acabe encarecendo o processo como um todo: a doação antecipada com usufruto.
Economia na Doação
A reforma tributária pretende igualar o imposto de transmissão ITCMD (por doação e por falecimento), em alguns casos efetivamente dobrando o imposto a ser pago. Vejamos como a doação de determinados ativos pode ajudar a mitigar este aumento.
Vamos imaginar um empresário, único membro da família com renda, detentor das quotas do negócio que provê para a família.
No cenário 1, ele falece, deixando em inventário R$ 10 milhões em quotas da empresa. Assumindo um imposto de 4% sobre transferência por morte (vamos utilizar o mesmo percentual hipotético em todos os cálculos, para facilitar a comparação), a família ficaria com R$ 400 mil a arcar.
No cenário 2, às vésperas do infortúnio que levará o empresário a legar as quotas do negócio, ele faz a doação para seus herdeiros legítimos, que no momento valem os mesmos R$ 10 milhões. Novamente, o custo da família fica em R$ 400 mil.
No último cenário, o empresário, se antecipando aos possíveis custos e transtornos a serem enfrentados pela família em um processo de sucessão, decide doar em vida, com reserva de usufruto, as quotas da empresa para seus herdeiros. Supondo que este movimento seja feito ainda em um momento incipiente do negócio, o ônus será consideravelmente menor. Por exemplo, se a doação for feita quando o valuation das quotas é de apenas R$ 5 milhões, a despesa com ITCMD será de R$ 200 mil.
Indiscutivelmente, o cenário 1 é o mais conturbado e custoso para a família. O pagamento dos impostos (além de custos advocatícios e burocráticos) teria de ser arcado pelos herdeiros, mediante a imediata indisponibilidade dos bens herdados. A experiência mostra que, na maioria dos casos, a família não dispõe de meios próprios para arcar com todos os custos do inventário, o que acaba atrasando o procedimento de transmissão e muitas vezes encarecendo o processo, pois bens podem ter que ser liquidados durante o processo para a quitação dos valores.
No segundo cenário, apesar de o custo com impostos ser equivalente, ao menos o gerador de renda está ativo no trâmite da transferência e pode dispor de suas contas bancárias livremente para pagar custas e desembaraçar papelada. Sem as despesas adicionais com um advogado responsável pela sucessão, a economia financeira pode ser considerável. Além disso, quando do falecimento do nosso personagem hipotético, a família não precisaria se preocupar demasiadamente com gastos e burocracias em um momento tão sensível.
Finalmente, no cenário 3 (o mais estratégico e com o planejamento mais antecipado), os benefícios são verdadeiramente expressivos. Ao doar quotas em um momento em que seu valor é inferior, na prática o empresário evitou pagar impostos sobre todo o seu crescimento de capital futuro. Outro benefício desta estratégia de antecipação é que ela não precisa ser feita de uma só vez. O empresário poderia doar algumas quotas todos os anos até concluir o procedimento, na prática parcelando o processo e os custos envolvidos.
Esta abordagem não se aplica somente a quotas ou valores mobiliários, mas a qualquer ativo com tendência a valorização ao longo do tempo. Não é o caso da maioria dos automóveis. É o caso, no entanto, de imóveis.
Os imóveis para moradia se valorizaram, em média, 7,73% no Brasil em 2024. Um apartamento que vale hoje R$ 1 milhão, caso a valorização se mantenha constante, atingirá um valor superior a R$ 2,1 milhões em 10 anos. Seguindo a lógica da doação antecipada para que o ITCMD incida sobre uma base de cálculo menor, transferir o bem para os herdeiros agora reduz os custos com impostos a menos da metade do que ao final do período projetado.
Sobre o usufruto
E se eu não quiser perder o controle do bem agora? Por que o nosso empresário hipotético transferiria suas quotas a seus herdeiros agora se não quer passar o controle e os proventos da empresa para eles neste momento? É aí que entra usufruto.
Como o nome sugere, mesmo que a propriedade de um bem seja transferida a outro, seus frutos ainda ficam com o doador. No caso de quotas, isto pode incluir o direito a voto e aos lucros do negócio. No caso de imóveis, o direito de neles habitar pelo tempo que desejar. Em suma, na prática, pouca coisa muda no uso e administração do bem doado.
As demais implicações deste tipo de doação abordaremos em artigos futuros. Como o foco aqui é na economia inteligente de uma transferência planejada de ativos, encerramos por aqui com a mensagem: a antecipação da transmissão de bens pode poupar não somente incômodos para a família, mas também um bocado de dinheiro.