O agronegócio é um dos motores da economia brasileira, representa cerca de 25% do PIB e mais de 40% das exportações nacionais. Porém, enfrenta obstáculos únicos quando o assunto é planejamento patrimonial e sucessório. Com forte ligação emocional entre família e terra, a falta de diálogo entre gerações e a indivisibilidade do imóvel rural imposta por lei (Estatuto da Terra) tornam o processo sucessório especialmente delicado.
Além disso, aspectos como a escolha entre doação ou testamento, implicações tributárias, contratos rurais (comodato, arrendamento, usufruto) e a apuração correta da atividade rural no IRPF exigem um olhar técnico e multidisciplinar. A constituição de uma holding rural, quando bem estruturada, pode trazer benefícios em governança e proteção patrimonial — mas erros como subavaliação de bens e falta de cláusulas restritivas comprometem o planejamento.
Neste artigo, abordo os principais desafios e caminhos para organizar o patrimônio rural de forma segura, eficiente e alinhada aos valores da família.
A complexidade da sucessão no agro
Diferente de outros setores, o patrimônio rural tem forte ligação emocional com a família. É comum que a fazenda tenha sido construída ao longo de gerações, sendo símbolo de identidade e pertencimento. Isso torna o processo sucessório mais delicado, especialmente quando não há comunicação entre os membros da família ou preparo das novas gerações.
Outro complicador é a indivisibilidade do imóvel rural, imposta pelo Estatuto da Terra. A legislação impede o fracionamento da propriedade abaixo do módulo rural mínimo, o que pode inviabilizar a partilha entre os herdeiros se não houver estrutura prévia. Na prática, vemos imóveis sendo judicialmente vendidos ou mal divididos, levando à perda de produtividade ou ao fim do negócio.
As dúvidas mais comuns dos produtores e famílias
Algumas perguntas surgem com frequência no atendimento a famílias do agro:
- Devo fazer doação em vida ou deixar minha vontade expressa em testamento? A resposta a essa pergunta precisa ser analisada considerando as implicações de cada formato de transmissão dos bens. A antecipação da herança através de doação poderá impactar no controle e tomada de decisão sobre os rumos do negócio, na tributação para transmissão dos bens, e também na proteção patrimonial e governança.
- Vale a pena constituir uma holding rural? Muitas vezes sim, desde que haja alinhamento com o perfil familiar e objetivo sucessório claro. Uma holding permite a organização societária do patrimônio familiar, facilita a sucessão, melhora a governança e pode gerar benefícios fiscais.
- Como evitar conflitos entre filhos que não querem seguir no campo? É essencial estabelecer regras de governança, definir papéis e prever mecanismos de saída ou liquidez. Uns dos instrumentos utilizados pra isso, pode ser um acordo de sócios bem redigido.
- Existe ganho de capital na doação? Sim, e ele deve ser apurado com base no valor do bem e do custo histórico. Uma análise contábil e fiscal cuidadosa é essencial.
Os pilares do planejamento rural
Para estruturar um bom planejamento patrimonial no agro, alguns elementos precisam estar organizados:
- Regularidade dos imóveis: matrícula atualizada, CCIR, ITR, CAR e inscrição no INCRA. Sem isso, não há base segura para negociação, financiamento ou partilha.
- Definição do regime de bens do casal e sucessores: a escolha do regime (comunhão parcial, universal, separação total) impacta diretamente na partilha em casos de divórcio ou morte.
- Correta apuração da atividade rural para fins de IR: a atividade rural pode ser tributada pelo resultado real ou presumido. Escolher o regime certo pode gerar economia tributária e permitir a compensação de prejuízos nos anos seguintes.
- Contratos de uso da terra: comodatos entre pais e filhos, arrendamentos a terceiros ou parcerias precisam ser formalizados e registrados, evitando autuações ou conflitos futuros.
A holding rural como instrumento de sucessão e governança
A constituição de uma holding pode ser uma excelente estratégia para o produtor que busca:
- Facilitar a sucessão, transferindo cotas em vez de propriedades;
- Proteger o patrimônio com cláusulas como inalienabilidade, impenhorabilidade e incomunicabilidade;
- Estabelecer regras de governança, distribuição de lucros e entrada de herdeiros.
No entanto, não é uma solução mágica. Muitos erros ocorrem na sua estruturação, como:
- Subavaliação de bens para fugir de impostos (gerando passivos futuros com a Receita);
- Ausência de acordos de sócios ou cláusulas claras sobre sucessão;
- Desinformação dos herdeiros, que veem a holding como uma imposição, não uma solução.
Além disso, é importante analisar o impacto de tributos como o ITCMD (Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação) e o ITBI (Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis), que podem ser evitados ou mitigados com uma boa estrutura jurídica e contábil.
Casos práticos: lições do campo
Atendi recentemente uma família com três filhos, dois atuando na gestão da fazenda e um morando na cidade, sem envolvimento com o agro. O patriarca queria “dividir igualmente” o patrimônio entre todos, mas sem comprometer o negócio.
A solução envolveu:
- Transferência da propriedade rural para uma holding;
- Doação das cotas com cláusulas de usufruto e inalienabilidade;
- Acordo de sócios com direito de preferência e mecanismo de retirada para o filho que não tinha envolvimento com o negócio.
Com isso, a família preservou a unidade do patrimônio, evitou conflitos e criou um plano de longo prazo para a continuidade do negócio.
Conclusão
O planejamento patrimonial e sucessório no agronegócio é uma necessidade, não um luxo. Exige conhecimento jurídico, fiscal, contábil — mas, acima de tudo, sensibilidade para entender as dinâmicas familiares, os valores da terra e os sonhos de continuidade.
Famílias que planejam com antecedência têm mais segurança, pagam menos impostos e enfrentam menos conflitos. E, principalmente, garantem que o legado do campo continue produtivo por muitas gerações.
Se você faz parte de uma família do agro, convido você a refletir: seu patrimônio rural está preparado para a próxima geração?